CONSCIÊNCIA DE DIREITOS E EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA LUTA PELA MORADIA
No ano de 1984, o país foi às ruas para se manifestar pacificamente pedindo eleição direta para presidente. A partir dai, movimentos sociais pela moradia popular foram crescendo e contagiando o país, emergindo no contexto social e político brasileiro com uma capacidade mobilizadora, organizada e criativa. Na cidade de São Paulo, mais precisamente na região da Leste II, multiplicavam-se os movimentos pela moradia, o que apontava no país a progressiva ampliação e diversidade de organizações populares que contavam com o apoio de lideres populares, interlocutores políticos e da igreja católica.
Na linha de frente desse movimento, aparece Dalcides Neto, que ao longo desses 30 anos de movimento realizou parcerias e alianças, abriu diálogos e negociações com interlocutores políticos e trabalhadores para a concretização das mais de 35 mil moradias conquistadas durante todos esses anos. Outro ponto do movimento que precisa ser destacado, é o fato de que, ao longo dos anos, muitas bandeiras de luta foram agregadas às mobilizações e uma formação das lideranças populares fez com que o movimento fosse além da luta por moradia, abarcando tudo que envolve a cidadania na região.
O líder popular gosta de se referir ao movimento como uma “grande orquestra”, que teve momentos no inicio dos anos 80 de muita dificuldade com a resistência do governo Jânio em reconhecer a legitimidade dos movimentos populares e a agressividade com que combatiam as manifestações.
Uma triste memória dentro dessa luta foi a morte do pedreiro Adão Manuel, que acabou sendo baleado e perdendo a vida em um confronto com a Guarda Municipal. Apesar do triste episódio, o ocorrido fez com que todos os movimentos se tornassem ainda mais fortes e unidos diante de todo esse cenário, fazendo com que a vida do integrante do movimento não fosse apenas perdida, mas extremamente relevante para a história do movimento.
Um período importante e cheio de avanços segundo os relatos de Neto, foi a gestão da ex-prefeita Luiza Erundina em 1988, que declarou, logo que assumiu o cargo, que a habitação era o problema mais grave da população de baixa renda. Na época, a demanda habitacional emergente na cidade era calculada em torno 670 mil moradias. A gestão de Erundina colocou a problemática habitacional como prioridade ao apoiar a implantação da habitação de interesse social por mutirão autogerido, o que ajudou a dar mais visibilidade e credibilidade aos movimentos pela moradia.
Outro importante passo, dessa longa caminhada, dado nessa mesma época foi o projeto de lei de iniciativa popular, que criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. Sancio- nado pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 16 de junho de 2005, o projeto criou uma política nacional de moradia que então poderia ser aplicada de forma descentralizada pelos estados e municípios, o que sempre foi um desejo antigo dos movimentos pela moradia.
Dalcides disse gostar muito de uma citação que diz, “O Direito do cidadão é um dever do Estado”, e logo em seguida descreve de forma prática e minuciosa a iniciativa nacional do governo federal “Minha Casa, Minha Vida” que atende fa- mílias com renda de 0 a 1.600 reais e, no Estado de São Paulo, tem uma parceria com o programa do governo do estado “Casa Paulista”. Ele acredita que em breve também estará alinhado com o “Casa Paulistana”, uma iniciativa recém-aprovada da prefeitura de São Paulo, que promete apoio a essa grande mobilização social que é a moradia.
Uma das grande dificuldades nos dias de hoje é a questão do preço das áreas, bem como a escassez de terras viáveis à construção de projetos para a moradia popular, o que faz dessas parcerias algo determinante e proeminente para execu- ção dos projetos e longevidade do movimento. Em suas considerações finais, fa- zendo um paralelo com a natureza, Neto afirma que na natureza todos os animais têm direito a um abrigo, então, por que com nós, seres humanos, essa questão seria diferente? E vai além dizendo que a “moradia é a roupa da família”.
Pergunto por quanto tempo ele pretende continuar nessa luta pela moradia e, sem mesmo eu terminar a frase, ele prontamente responde que, até quando houver pessoas precisando, irá fazer o possível para realizar o sonho da casa própria, mas sempre lembrando que é uma luta, e uma luta consiste em bata- lhas, perdas e ganhos, e quem persiste acaba conquistando independente de qual seja a sua batalha.
E dessa forma não tenho dúvidas que virão mais 30 anos repletos de conquistas, mais histórias e muitas outras vitórias para esse movimento cheio de coragem, luta e ousadia.
Emiliano Zapata